segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

O NASCIMENTO DE MINERVA

O NASCIMENTO DE MINERVA —
 Júpiter, preciso muito lhe falar — disse um dia a Terra, sua avó. A velha deusa, que engendrara Saturno, o pai devorador de filhos, tivera um sonho profético no qual a antiga e violenta maldição familiar de filhos destronarem os pais ameaçava recomeçar. — Agora será com você, Júpiter, que a história vai se repetir! — disse a Terra, perfurando as nuvens com sua bengala de pedra.
 Na mente da deusa passou, como num relâmpago, todo o seu tormentoso passado com o brutal Céu, que a obrigara a esconder em seu ventre todos os filhos gerados por ele. Depois enxergou seu filho Saturno chegando em casa com a foice ensangüentada e o ar aliviado do jovem que triunfa, afinal, sobre a tirania decrépita dos pais.
 "Seu odioso marido está mutilado e o poder agora é todo meu!", dissera o jovem deus, ao destronar o próprio pai. — Não diga tolices, minha vó! — bradou o pai dos deuses, despertando a Terra de seu devaneio.
 — Quem se atreverá a levantar mão ímpia contra o soberano do mundo? A velha deusa sorriu. Fora esta mesma frase que Saturno envelhecido repetira, um pouco antes de seu próprio filho Júpiter expulsá-lo do trono, tornando-se o novo e supremo mandatário do Universo. Júpiter, entretanto, era muito jovem e estava mais preocupado em conquistar o coração da sua amada Métis, a deusa da Prudência.
 — Não se case com ela — advertiu a Terra, com severidade -, pois de seu ventre sairá aquele que trará a sua ruína. — A deusa meiga e de olhos mansos como a corça será capaz, então, de gerar um tal monstro? — disse Júpiter, alisando sua negra e ainda curta barba. — Sim, seu tonto, a meiga e de olhos mansos como a corça! — bradou a Terra, cujas palavras, com a idade, iam perdendo o mel da paciência. 
— Na verdade serão dois filhos; o primeiro será uma mulher, a mais justa e sensata das deusas, que só lhe trará alegria e motivo de orgulho... Júpiter sentiu um alívio percorrer suas divinas entranhas. -... mas cuidado com o segundo! -prosseguiu a deusa. — Ele será o flagelo de sua existência. Muito mais insubmisso do que seu pai ou você próprio, ele o destronará sangrentamente, tomando o seu lugar para todo o sempre. E com o filho dele acontecerá o mesmo, e assim por diante, até que alguém decida pôr um fim a esta orgia de parricídios. Durante um longo tempo os dois estiveram em silêncio.
 De vez em quando Júpiter erguia os olhos para a avó, que permanecia parada à sua frente, apoiada ao seu cajado; em seus olhos inflamados pela profecia brilhava ainda, com a mesma intensidade, a luz ofuscante da determinação.
 — Está bem, vovó — disse, afinal, o pai dos olímpicos -, você venceu. Vou falar com a adorável Métis. No mesmo dia Júpiter dirigiu-se à morada da deusa, que ficava no fundo do oceano. — Adorável Métis, meiga e de olhos mans... — disse Júpiter, interrompendo-se.
 — Oh, é você, meu querido Júpiter! — exclamou a deusa, caindo em seus braços. — Estava morta de saudades... "Tão meiga e tão feminil ao mesmo tempo!", pensava, enquanto deslizava os dedos pelas curvas simetricamente perfeitas das costas da encantadora Métis. Num instante estavam ambos sobre o leito. Júpiter, esquecido das advertências de sua avó, passou o resto do dia nos braços da divina amada, descobrindo a cada instante, em seu corpo, novos e insuspeitados mistérios. Ao final do dia, entretanto, ela voltou-se para ele e disse: — Júpiter, regozije-se: estou grávida! — Grávida?!
 — exclamou o deus olímpico. — Sim, seremos ambos pais de uma bela menina! Júpiter ficou paralisado por alguns instantes. De repente, porém, como quem toma uma súbita decisão, tomou-a nos braços e disse, num tom enigmático: — Está enganada: ambos seremos mães. Nem bem dissera isto, Júpiter abriu desmesuradamente a boca — onde ele vira isto antes? — e engoliu a pobre Métis! — Pronto, minha amada — exclamou ele. — Agora estamos unidos para sempre. Imediatamente o deus retornou para junto da avó, como obediente neto que era, e lhe comunicou, cheio de orgulho: — Minha vó, acabei de comer a formosa Métis! — Menino sujo! — gritou a velha, dando uma bastonada em sua cabeça. Custou um pouco, mas afinal Júpiter conseguiu fazer a velha entender o que quisera dizer e acabou mesmo elogiado por ela. Os dias passaram e as apreensões foram se desvanecendo, até que, certa manhã, Júpiter acordou com uma terrível dor de cabeça. — Céus, o que é isto em minha cabeça? — gritava. Todos os deuses acorreram para ver que gritos eram aqueles. 
O deus dos deuses gemia, enquanto os demais se agitavam em torno. — Sua cabeça cresceu assustadoramente! — disse Mercúrio, espantado. — É da ambrosia... Eu disse pra não abusar! — gritava, aflita, a sua mãe, Cibele. — Calem a boca, todos, e chamem Vulcano — gritou Júpiter, com as duas mãos postas na cabeça. Dali a instantes surgiu o deus das forjas, coberto de fuligem. — O que houve, meu divino pai? — Tenho algo dentro da cabeça! Descubra o que é — exclamou Júpiter. — Sim, de fato, parece haver algo muito grande dentro dela...
 — respondeu Vulcano, espantado com o gigantesco tamanho da cabeça de seu genitor. — O que será? — Mas foi o que lhe perguntei! — respondeu Júpiter, colérico. — Vamos, pegue suas ferramentas, abra minha cabeça e retire logo daí de dentro seja lá o que for que esteja me atormentando! Vulcano abriu seu maravilhoso estojo.
 Dentro dele, em pequenos compartimentos, estavam dispostas em perfeita simetria as suas extraordinárias e eficientes ferramentas. — Hm... Martelo, broca, chave, pé-de-cabra... Calma, meu pai, que a coisa já vai! O deus dos artífices encontrou, afinal, o seu melhor martelo e avançou destemidamente para o pai. Um calafrio de horror percorreu os nervos e tendões de Júpiter. "E se a velha Terra estiver senil, e for ele, afinal, o filho que me tirará o cetro?", pensou Júpiter de olhos arregalados ao ver avançar o filho imundo, com aspecto de demônio, balançando o martelo gigantesco, como para lhe tomar o peso. — Este não falha, meu divino pai! — disse Vulcano, arreganhando seus quatro negros dentes, e vibrou o martelo ao primeiro golpe. O pobre Júpiter sentiu o mundo rodar. Vibrou o martelo ao segundo golpe. Uma rachadura surgiu de alto a baixo em sua cabeça. — Só mais uma, pai! — disse Vulcano, respirando fundo e erguendo o martelo o mais alto que pôde. PA!, vibrou o martelo ao terceiro golpe. Um jato de luz ofuscante escapou pela rachadura, fazendo com que os deuses corressem para todos os lados. De dentro da cabeça de Júpiter surgiu, então, uma outra cabeça, revestida com um magnífico capacete dourado.
 Um grito de espanto varreu o Olimpo inteiro. Logo em seguida surgiu o resto do corpo da criatura — uma mulher, vestida inteira, dos pés à cabeça, com uma reluzente armadura. Todos os deuses estavam boquiabertos, e até Apólo, que conduzia no alto o seu flamejante carro do sol, parou por um instante para observar aquele fantástico prodígio.
 A mulher saltou para o chão e deu um grito de guerra, o mais alto que o Olimpo já havia escutado. Depois pôs-se a executar, de maneira absolutamente perfeita e graciosa, os passos do mais estranho e original peã que os olhos humanos e divinos já haviam contemplado. — Honra e Paz para você, divino pai e senhor absoluto do Universo! — disse a criatura, após encerrar a sua magnífica dança marcial.
 — Sou Minerva, sua filha, gerada de seu sêmen para cumprir as suas ordens. Júpiter ficou encantado com a nova deusa que surgia — parida por ele próprio! — e com suas filiais e piedosas palavras. Assim que veio ao mundo a mais útil e benemérita das divindades: Minerva, deusa da sabedoria, do trabalho e das artes.
 E quanto às negras previsões da velha Terra, que ameaçavam Júpiter com a chegada de um segundo e destruidor filho, deram, felizmente, em nada. Júpiter ousou então debochar da anciã: — Minha vó, suas profecias são furadas! — Imbecil, furada é sua cabeça-de-vento! — disse a velhinha, que nada tinha de caduca.
 — Bem se vê que fugiu o resto de sabedoria que havia na cachola. E depois de assestar uma bela pancada na cabeça do neto, completou: — Pois honre a mim, então, que sou a única divindade competente o bastante para fazer reverter uma funesta profecia. NETUNO, 

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