domingo, 21 de outubro de 2012

A FACE OBSCURA DA MÃE


As Deusas Negras – A Face obscura da Mãe


“A escuridão precede a luz e é a sua mãe.”
Inscrição no altar da catedral de Salermo 

Sempre nos depararemos com indivíduos como esses que temem a face obscura da Deusa porque jamais mergulharam na sombra de sua alma.

É muito triste e desagradável encontrar gente que se diz espiritualizada mas ainda limita se as ditames do patriarcado-espiritual, temendo o potencial fecundo da Deusa Mãe e de suas sacerdotisas, as grandes bruxas queimadas ao longo da história nas fogueiras da inquisição e não só, também do preconceito, machismo e cepticismo.


Fugindo do dualismo monoteísta revelado, onde obrigatoriamente o que não bem é mal e o que não é luz são trevas, vamos encontrar na divindade e em nós mesmos um lado obscuro que é pouco conhecido (ou mesmo totalmente desconhecido), sem necessariamente ser mau ou negro. Muitas vezes o lado desconhecido, tanto da deusa como o nosso, pode ser luminoso.O que não podemos esquecer é que luz demais também cega.

O aspecto menos compreendido da Grande Mãe - e, por isso, o mais temido - é a Deusa Negra, a Face Ceifadora.
Assim como a Donzela, a Mãe e a Anciã regem etapas do eterno ciclo da vida - do nascimento, amadurecimento e do declínio, a Deusa Negra encerra o ciclo e representa a decomposição e a morte.

Como Ceifadora, ela é a destruidora de tudo que esgotou seu tempo, de tudo que cumpriu sua finalidade e não serve mais. É ela quem limpa a terra após a colheita para o repouso necessário à germinação de novas sementes. Seu poder é da Lua Negra, dos mistérios ocultos na escuridão, do vazio e do silêncio que antecedem o surgimento da luz, o inicio do dia e o começo de um novo ciclo. Ela ensina que sem morte não há renascimento, sem fim não pode haver um novo começo, sem dissolução do velho não há a renovação.


Nas antigas religiões o lado negro da Deusa era representado pela lua nova, quando a lua estava totalmente coberta pela sombra da terra e não era vista no céu. E representava a passagem do mito da Deusa onde ela descia às profundezas do mundo subterrâneo. Um mito recorrente nas mais variadas mitologias, desde a descida de Deméter ao Hades em busca da sua filha Perséfone, passando pela busca de Ísis por seu amado Osísis, Cibele em busca de Átis e, o mais antigo e significativo, no qual Inana, uma deusa múltipla com atributos luminosos como fertilidade e sensualidade, desce ao submundo para consolar sua irmã Ereshkigal, despindo-se no caminho de todos seus atributos luminosos e divinos, e chega junto a sua irmã, nua e encurvada pelo cansaço, numa atitude de submissão. Assumindo a própria morte, Inana conhece a si mesma já que Ereshkigal é ela própria. Não é apenas mais uma das fases visíveis da lua, mas sim o lado dela que nunca vemos, a face oculta da Lua e, portanto pela primeira vez a deusa se sente completa e plena.

Como mestra da escuridão, ela orienta e conduz ao encontro da sombra, o aspecto perturbador e renegado do próprio ser. Se você pedir sua ajuda e tiver a coragem de mergulhar nas profundezas de seu mundo interior para descobrir, encarar, reconhecer e aceitar sua sombra, você encontrará sua autêntica identidade, livre das máscaras da personalidade.


É unindo os opostos que chegamos à plenitude. É conhecendo e percebendo em nós a luz e as trevas, o bem e o mau, que nos completamos, que nos tornamos unos com o universo e com a natureza,.O que temos de bom, delicado e luminoso em nós pode, como na natureza ou no universo, se transformar em fúria, explodindo, destruindo e magoando aos que nos cercam, por mais que nos controlemos e nos policiemos se não nos conhecermos realmente nunca teremos o controle sobre nós mesmos. 

A epígrafe do Livro “A Deusa Branca” de Robert Graves nos dá o caminho: “Embora ela ame apenas para destruir, a Deusa destrói apenas para Ressuscitar”. Se meditarmos sobre o mito da Deusa, compreenderemos a razão e o sentido da busca do ser amado (seja a irmã, a filha ou consorte) que leva a Deusa luminosa e celeste a buscar o seu lado escuro . O que leva Deméter a se vestir de azul como suplicante e se arrastar pelos caminhos poeirentos da Grecia, fazendo toda a terra secar por sua passagem, abrindo doloridas brenhas e feridas no solo. Os sacrifícios de Ísis em busca do amado, a grande mãe sendo humilhada e sofrendo como uma mortal. Inana se submetendo a Irmã. E na mais linda passagem da Biblia judaico-cristã, no Cântico dos Cânticos, onde a mesma que diz:

“Sou negra, mas sou bela, filhas de Jerusalém, como as tendas de Cedar, como aos pavilhões de Salomão.
Não repareis na minha tez negra, pois fui queimada pelo sol”,Também procura o amado:

“Abri ao meu bem amado, mas ele já tinha ido, já tinha desaparecido;
Procurei-o e não o encontrei; chamei-o, mas ele não respondeu
Os guardas encontraram-me, quando faziam ronda na cidade,
Bateram-me, feriram-me,
Arrancaram-me o manto os guardas das muralhas”.


Assim o tão temido lado negro, aquele que chamam aos sussurros e acreditam ser maligno e perigoso, é apenas a parte desconhecida da divindade. A Deusa Negra é o que desconhecemos da Deusa branca, é a sabedoria oculta, é o que os cristãos chamam de espirito santo. Mas antes da romanização do cristianismo essa sabedoria era feminina, como nos explica o Robert Graves, (sopro, exalação, alma) é palavra masculina na gramática latina, e os gnósticos, por falar grego, usavam “sophia” (sabedoria), palavra feminina.

O encontro com o lado obscuro é sempre assustador, é reconhecer em nós mesmos uma mola propulsora que pode causar loucura e até mesmo tragédias. E se é aterrorizante em nós que somos humanos, é o próprio terror em se tratando de Deuses. É por isto que lemos em muitos autores que a Deusa Negra é devoradora e destruidora por natureza, mas na verdade o que não reconhecemos na divindade é que é o obscuro, o negrume é o véu que uma vez desvelado nos revela a totalidade das deusas, ou mesmo dos deuses.

As Deusas negras não são o mal, nem existe o mal em nós, existe sim a multiplicidade de ações dos elementos, existe o eterno movimento de construção e destruição. A Deusa destrói para construir e é este o fluxo da vida, e sendo pagãos precisamos compreender e saber as divindades e a nós mesmos como totalidade corpo, mente e espirito.


Abraçar a sombra significa aceitar-se assim como você realmente é, mescla de dor e alegria, medo e coragem, conquistas e perdas, sucessos e fracassos, acertos e erros, luz e sombra. Somente assim encontrará seu verdadeiro e completo poder de mulher e a integração de sua totalidade.

Afinal se continuamos dualistas e dividimos tudo em bem e mal, poderíamos muito bem continuar no cristianismo, que não consegue entender porque o seu Deus foi sacrificado, morto e sepultado, desceu aos mundos inferiores e depois de 3 dias, dizem, retornou vitorioso. Junto ao seu sacrifício e a iniciação de Jesus, três sacerdotisa, 3 Marias, uma anciã, a mãe, outra mulher, a amante e uma terceira que só sabemos o nome Salomé, que contam ser uma irmã mais nova, a donzela. Vocês sorriram agora, isto lembrou algo? Pois bem, quando o cristianismo se tornou religião de dominação e dualista, a anciã se uniu a donzela e foi criada a Virgem Maria, a Mãe intocada da criança divina, e do outro lado a Negra Prostituta, a Maria Madalena.

Não concordo e não concordarei de jeito algum é que se utilizem do nome da Grande Deusa para dividir ainda mais a mulher nos dois arquétipos da Santa Virgem e da Prostituta Bruxa, uma boa e uma má, uma espiritualizada e pura, e outra mundana e impura.



Em inúmeras catedrais da Europa, principalmente no centro e no sul da França, encontram-se esculturas de uma figura misteriosa, conhecida sob o nome de Madona Negra. Essas representações da Madona são bem diferentes de outras imagens cristãs e sua origem ou finalidade permanecem desconhecidas, sem definição ou explicação. Elas possuem um magnetismo diferente e, na tradição da Deusa, são consideradas arquétipos ancestrais da face escura da Grande Mãe, os atributos de poder, fertilidade, mistério e sabedoria da Mãe Terra.

A explicação oficial dada pelos representantes da igreja é que a cor escura das estatuetas é atribuída ao enegrecimento pela fumaça secular das velas, à deterioração da tinta utilizada ou à qualidade da madeira. Mesmo que isso seja verdade para algumas poucas imagens (principalmente as que foram pintadas de branco ou dourado pelos monges cristãos), sua origem aponta para antigas representações das deusas do mundo antigo como Lilith, Cibele, Ísis ou Kali.


Estas são as mesmas pessoas que parecem tornar a Religião Antiga e a espiritualidade numa salada louca aonde informações históricas não são mescladas com intuição mas com pura imaginação e filosofia abstrata advindo das espiritualidades patriarcais solares, que negam a vida na Terra Mãe, negam a Sabedoria das mulheres antigas que nutriam, livres de corpo e alma, os campos para a próxima colheita e realizavam os festivais em honra a Senhora, as mesma grandes sacerdotisas e bruxas que invocavam o Galhudo no momento em que se deitavam nos campos para ligar o poder da Deusa de Todas As Coisas, a Terra Mãe ao Senhor do Conhecimento, ao Velho Sábio...

Muitas das estatuetas foram encontradas nos lugares sagrados das deusas antigas, onde posteriormente foram erguidas as igrejas cristãs dedicadas à Maria ou a algumas santas católicas. Foi comprovada, também, a conexão entre essas estatuetas e o culto gnóstico dos séculos XI e XII com os “troféus” trazidos pelas cruzadas do Oriente Médio (estatuetas saqueadas dos templos das deusas acima mencionadas) e com a influência moura durante seu domínio na Espanha.

Na França, já foram localizadas mais de 300 Vierges Noires, das quais sobreviveram intactas cerca de 150, as demais tendo sido pintadas de branco pelos monges, destruídas por fanáticos, roubadas ou adquiridas por colecionadores. As mais famosas Madonas Negras são as da Catedral de Chartres (França), de Mont Serrat (Espanha) e Czestochova (Polônia). Das estatuetas pós-renascentistas, podemos mencionar Nossa Senhora de Guadalupe (México) e Nossa Senhora Aparecida (Brasil).


Os altares em que as Madonas Negras são reverenciadas se localizam próximos a fontes, grutas, montanhas ou se encontram escondidos nas criptas ou subterrâneos de igrejas católicas, comprovando a preservação de sua antiga simbologia, o aspecto telúrico de suas representações e sua íntima conexão com a energia da Mãe Terra. 

O cristianismo transformou e adaptou os antigos cultos da Mãe Terra na veneração a Maria. Todavia, há uma diferença conceitual básica: a Mãe Terra tem atributos de fertilidade, sensualidade, expressão instintiva e expansão. Ausentes da figura de Maria, esses atributos estão presentes na figura de Maria Madalena, considerada pela igreja cristã a “pecadora e prostituta arrependida”, omitindo-se totalmente sua ativa e proeminente participação nos primórdios do cristianismo e sua verdadeira condição de companheira – de fato – de Jesus. 

Abençoar esta fase, rever o passado e transmutar os resíduos com o auxílio da Deusa Negra, agradecer à Donzela e à Mãe pelo plantio e a colheita, são medidas recomendáveis que abrem as portas para a grande mudança, quando seu sangue não mais será vertido, mas retido em seu ventre, e quando o tempo assinalará sua coroação - não mais como Rainha, mas como uma Sábia Mulher Coroada, herdeira das Matriarcais e das Mães de Clã do passado ancestral. 

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