“Tu, que perambulas por muitos lugares e és reverenciada com diferentes rituais, Tu, cuja luz suave clareia o caminho dos viajantes e nutre as sementes escondidas sob a terra, Tu, que controlas o caminho do Sol e até mesmo a intensidade dos raios, eu Te imploro, chamando todos os Teus nomes e todos os Teus aspectos, e Te invoco com todas as cerimônias que Te foram dedicadas, vem a mim e me traz repouso e paz.”
Apuleio, “o Asno Dourado”
Para a nossa mentalidade atual e baseada em valores solares, pode parecer estranha a afirmação do escritor romano Apuleio (século I) sobre o controle oferecido pela Lua na trajetória e intensidade dos raios de Sol.
No entanto, se voltarmos para o início da história da humanidade, podemos constatar a maior relevância simbólica e mitológica da Lua, bem como a antiguidade dos cultos lunares em relação aos valores e cultos solares.
Na Caldeia, os astrólogos ignoravam o Sol e fundamentavam seus sistemas nos movimentos da Lua.
Até hoje, na astrologia védica, o peso da interpretação recai sobre o signo lunar natal, os meses são denominados “Mansões Lunares” e caracterizados pela posição da lua cheia na respectiva mansão.
Os cultos lunares se originaram no Paleolítico e os primeiros calendários conhecidos foram os lunares, baseados no ciclo menstrual da mulher.
O mais antigo calendário astrológico conhecido foi criado pelos babilônios e chamava-se “As casas da Lua”, estabelecido a partir do ciclo da lunação, com seus períodos mensais representados pelos signos zodiacais.
A principal Deusa Lunar da Babilônia era Ishtar, cujo cinturão era enfeitado com representações e símbolos do zodíaco.
Inúmeros artefatos neolíticos talhados em pedra, chifre e osso, encontrados em grutas espalhadas por vários países na Europa e Ásia, têm inscrições agrupadas e séries alternadas de 28 a 30 traços, demonstrando o antigo conhecimento astronômico dos ciclos lunares.
Atualmente, está sendo cada vez mais divulgado e utilizado o calendário lunar do povo maia, com base no ciclo das treze lunações que formam um ciclo solar.
Desde os mais remotos tempos a Lua foi reverenciada como a manifestação da Grande Mãe Universal, o aspecto feminino da Divindade, a fonte criadora e mantenedora da vida, cuja luz e bênção eram invocadas nos rituais de fertilidade, no plantio das sementes e no parto das crianças.
As suas fases passaram a simbolizar o próprio ciclo da geração, nascimento, crescimento, mas também o amadurecimento, decadência e morte.
As suas faces - clara e escura - foram consideradas como aspectos doadores da vida e destruidores da natureza, a Mãe sendo tanto Criadora como Ceifadora.
A Lua foi venerada com inúmeros nomes nas várias tradições e culturas antigas. Apesar desta diversidade, existe uma similitude em relação aos seus atributos de acordo com as suas fases.
A Lua crescente representa a vitalidade da deusa jovem, o frescor da Donzela, o potencial do crescimento, o início das realizações.
Tornando-se cheia, a Lua personifica o ventre grávido da Mãe, o florescimento, a abundância da natureza, a concretização das possibilidades.
Ao minguar, a Lua assume o aspecto de Anciã, assinalando o fim da colheita, o declínio das energias, a sábia preparação para conhecer os mistérios da morte e do renascimento.
Dificilmente se encontra nas várias mitologias uma Deusa que sintetize a inteira gama do simbolismo lunar.
Nos panteões grego e celta existem inúmeras Deusas Lunares com características específicas, relacionadas aos atributos das fases e representando os arquétipos da Donzela, da Mãe e da Anciã.
Os povos celtas contavam o tempo pelas noites e seu calendário era lunar e não solar, como o dos gregos e romanos.
Os seus astrólogos observavam a posição da Lua e sua progressão em relação às estrelas.
Uma deusa lunar celta pouquissimo conhecida e com um complexo simbolismo é a galesa Arianrhod, uma mulher linda e com pele muito alva, descrita como a “Senhora da Roda de Prata” por cuidar da roda estelar, cujo giro simbolizava o passar do tempo e a tecelagem do destino.
Esta roda luminosa era a constelação estelar em forma de coroa chamada Corona Borealis (considerada pelos gregos como sendo a coroa da deusa Ariadne), cujo nome em galês era Caer Arianrhod, ou seja, “O castelo giratório de Arianrhod”.
Era chamada também de “Roda com remos”, por representar o barco que levava os mortos para a Terra da Lua, nomeada Emania ou Magonia.
Vivendo na longínqua terra encantada de Caer Sidi, cercada de sacerdotisas, Arianrhod era um arquétipo da antiga Deusa Mãe celta, regente do céu, das estrelas, da Lua, da fertilidade e do poder feminino, sendo a padroeira dos partos, do mar, da magia e da justiça.
Ela personificava vários outros atributos por ser regente do tempo e do destino, Senhora da beleza, da Lua cheia e da reencarnação.
Era cultuada no País de Gales como uma Deusa Tríplice (ela como Mãe, Blodeuwedd como virgem e Cerridwen como Anciã).
Arianrhod regia Caer Sidi, a “Torre do outro mundo”, o reino encantado onde ficava seu palácio Caer Arianrhod, onde os celtas acreditavam que as almas se recolhiam entre as suas encarnações e os poetas aprendiam sua arte.
Depois de recolher os espíritos e levá-los na sua “Roda com remos” para Emania, Arianrhod seguia ao longo da “Roda das encarnações” e os conduzia para a sua próxima parada, iniciando-os no novo ciclo de vida em Caer Sidi.
Nos mitos lunares contava-se que Arianrhod se metamorfoseava numa grande coruja e com seus olhos penetrantes perscrutava a escuridão – da noite, do subconsciente humano e da alma.
Ela se locomovia facilmente na noite e levava nas suas asas conforto, cura e aceitação para os doentes e moribundos.
Arianrhod regia as iniciações, os ritos de passagem femininos (menarca, ciclos menstruais, parto, menopausa, morte, renascimento), a magia, a sabedoria oculta e a renovação, sua luz sendo refletida por inúmeras camadas de tempo, modelagem do destino e experiências.
Seus símbolos eram o caldeirão (representando o poder feminino e atributo de outras deusas também) e a porca branca, indicando assim sua conexão com o mundo subterrâneo e o renascimento.
Arianrhod – semelhante à grega Ártemis – era independente, possuía uma grande força espiritual e por não precisar de nenhuma figura masculina, era considerada a “Deusa branca e virgem”.
O conceito de “virgem” para os povos antigos indicava autossuficiência e independência, sem nenhuma relação com a integridade do hímen. Arianrhod vivia de maneira livre e selvagem, cercada apenas por mulheres e ocasionalmente tendo relações sexuais - nas noites de lua cheia - com os marinheiros que aportavam nas praias do seu longínquo e ermo habitat.
De lá, Arianrhod descia na sua carruagem prateada até mergulhar nas ondas do mar e era reverenciada na noite de 11 de dezembro.
O mito de Arianrhod - registrado na coletânea de textos galeses Mabinogion (escritos entre os séculos XI e XIII) - é muito complexo, com elementos contraditórios e de difícil compreensão, denotando as deturpações feitas pelos monges e historiadores cristãos da interpretação das lendas da tradição oral dos bardos.
As antigas verdades ficaram ocultas entre as linhas e prevaleceram os conceitos misóginos e patriarcais cristãos, que condenavam e perseguiam atitudes e valores especificamente femininos, considerando a liberdade sexual da mulher como um pecado e perigo para a pureza da alma cristã, que devia ser combatido e punido.
Para impedir a continuação da antiga liberdade sexual pagã, os ritos sagrados das Tradições da Deusa foram declarados obscenos, licenciosos e demoníacos, devendo ser abolidos quaisquer referências a eles. Vários mitos de deusas descritos em Mabinogion (como o de Blodeuwedd, Branwen, Rhiannon) passaram pelos mesmos “retoques” e adaptações, que fizeram dos seus mitos histórias inverossímeis e confusas.
O maior objetivo dos historiadores cristãos (na sua maioria monges) era ocultar os valores e verdades das culturas matriarcais e promover as regras, conceitos e imposições da ordem patriarcal.
Existe uma passagem inverossímil no mito de Arianrhod, que descreve de forma metafórica e pitoresca uma mescla de atributos dela como Donzela e Mãe Escura.
Arianrhod era a filha mais poderosa da deusa galesa da terra Don e do deus da luz celeste Beli (que é pouco mencionado), irmã do herói e futuro mago Gwydion e sobrinha do rei mago Math.
Este rei, para preservar sua magia e seu poder de soberano, tinha que repousar permanentemente seus pés no colo de uma virgem, uma medida mágica necessária para a sua sobrevivência e seu fortalecimento antes das batalhas. Gwydion, que era seu amigo e parceiro nas magias, intimou e enviou sua irmã Arianrhod ao rei Math para ser sua acompanhante, apesar da sua condição real e do seu poder pessoal, que foram ignorados.
Assim como suas antecessoras, ela tinha que cumprir o seu dever de footholder e segurar os pés do rei no seu colo enquanto ele descansava.
A condição essencial desse encargo era a virgindade da candidata; ao ser questionada acerca disso, Arianrhod confirmou que era virgem (mas no antigo sentido do termo, que indicava sua liberdade e poder pessoal).
Ao ser testada pelo bastão magico de Math (sobre qual ela tinha que passar, uma clara alusão ao poder fálico do rei), Arianrhod, de repente deu à luz a um menino louro e bem formado – Dylan - que se arrastou para o mar, onde se transformou depois em um deus marinho e nunca mais foi visto.
Enfurecida pela armadilha que a expôs perante a corte real, Arianrhod correu e na fuga deixou cair um pequeno objeto, que, antes que alguém visse o que era, Gwydion o pegou e enrolou em panos.
Posteriormente, ele deu o “objeto” para Arianrhod, que descobriu ser outro menino ainda em estado embrionário e o rejeitou.
Comovido com o infortúnio da criança, Gwydion decidiu cuidar do menino, o adotou e lhe deu a devida educação, ensinando-o a arte da magia.
Outra suposição considera Gwydion o pai dele, como consequência de uma relação incestuosa com a irmã.
Ao ter revelada a sua gravidez e por se sentir ultrajada por ter parido na frente de todos enquanto considerada virgem, Arianrhod desapareceu na noite, mas antes amaldiçoou o filho para que “ele não tivesse jamais um nome, não pudesse usar armas e nem casar com uma mulher da raça existente na Terra, a não ser que ela concedesse tudo isso a ele”.
Na cultura matriarcal celta, era a mãe que dava o nome e abençoava seu filho nestes ritos de passagem.
Quando o menino cresceu, Gwydion usou recursos mágicos e transformou a ambos em sapateiros; eles viajaram para o palácio de Arianrhod que tinha encomendado sapatos (outro detalhe pouco plausível para uma deusa lunar). Observando o menino caçando pássaros com estilingue, Arianrhod o elogiou pela destreza.
Neste momento Gwydion revelou sua identidade e afirmou que Arianrhod tinha acabado de dar um nome ao seu filho, ou seja – Llew Llaw Gyffes “A brilhante e habilidosa mão”.
O nome Llew Llaw Gyffes era o mesmo de um herói celta - Lugh, personificação de um antigo deus solar. Arianrhod ficou furiosa com a trapaça e jurou que o garoto jamais portaria armas ou tivesse uma mulher.
Com o passar do tempo Llew é treinado nas artes marciais e na arte poética dos bardos e se revela um aprendiz competente.
Algum tempo depois, tio e sobrinho - disfarçados como viajantes - procuram abrigo no castelo da irmã e se oferecem para entreter a corte.
No dia seguinte, Gwydion cria uma ilusão mágica de uma invasão inimiga e convence a irmã para intimar todos os homens a se armarem e lutarem.
Ela concordou e quando começou a distribuir armas para seus súditos Gwydion sugeriu que ela desse armas também para o jovem desconhecido, que era forte e corajoso e podia lutar para defender o castelo.
Novamente Arianrhod foi ludibriada e ao descobrir que não havia invasão inimiga nenhuma, já tinha quebrado a sua segunda proibição armando seu próprio filho.
Para remover a última maldição, Gwydion pediu ajuda ao rei Math e juntos e por meios mágicos, criaram uma mulher feita de flores – Blodeuwedd – que foi destinada como esposa para Llew.
Sendo vencida pela terceira vez, Arianrhod acabou concordando com o casamento do seu filho, que assim se libertou da maldição materna.
Arianrhod aparece neste mito como um arquétipo feminino pouco ético, que comete erros, renega e abandona seus filhos e até mesmo amaldiçoa o menos afortunado, sem jamais se desculpar pelo seu comportamento, agindo de acordo com seu verdadeiro ser e seu poder de soberana.
Quando deu à luz, Arianrhod não assume sua maternidade, nem proclama seu direito de fazer escolhas e lidar com as consequências como uma soberana, mas se mostra enfraquecida, envergonhada e humilhada, renega seus filhos e foge para o seu castelo.
Por não querer abrir mão da sua liberdade em benefício dos filhos, sua atitude pouco materna nos parece inadmissível e abominável.
Don, sua mãe, tinha escolhido seus parceiros e pais dos seus três filhos de acordo com a lei antiga, quando a rainha escolhia e demitia seus consortes, sem criar vínculos de casamento.
Arianrhod pode ter seguido o exemplo materno, permitido pela lei matriarcal, que era de acordo com a sua maneira ”virgem” de viver, morando só no seu castelo e fazendo amor com marinheiros nas praias, nas noites de lua cheia (a metáfora da Lua mergulhando no mar).
Uma explicação da atitude do seu irmão ao recomendá-la ao rei como sendo virgem, seria que Gwydion queria declarar a sua paternidade perante todos (o incesto entre herdeiros reais era permitido para garantir a sucessão).
Outra hipótese era que a gravidez e o parto repentino de Arianrhod não eram fatos reais, mas miragens criadas pela magia conjunta do irmão e do tio.
O objetivo era expor Arianrhod como uma mulher pouco confiável na linhagem do trono e fazê-la ir embora, deixando a sucessão para Gwydion.
Por ela ser a primogênita e reconhecidamente poderosa, Arianrhod era uma ameaça para o poder masculino e por isso devia ser ridicularizada e banida, reforçando assim a hierarquia real e divina masculina.
No conceito da cultura matriarcal, a virgindade não era ligada à integridade física, mas ao estado de espírito e ao comportamento, virgem sendo a mulher que era livre e completa em si, sem depender de um homem.
O mito não conta sobre a vida posterior de Arianrhod, nem sobre seus eventuais remorsos e arrependimentos.
Seu irmão e filho desaparecem da história e ela passa a viver só no seu castelo, fiel a si mesma, fazendo suas escolhas e vivendo a verdade da sua própria luz lunar mutante.
Alguns estudiosos interpretam este mito como a representação da mudança do direito materno para o paterno, enquanto outros relegam o mito de Arianrhod à história de uma simples heroína celta, sem atributos divinos.
Olhando sob as retificações e distorções cristãs, podemos perceber e resgatar as antigas verdades das sociedades centradas no culto das Deusas e descartar a sua usurpação e difamação pela nova ordem dos conquistadores patriarcais.
A figura luminosa de Arianrhod resistiu à deturpação milenar e às distorções do seu simbolismo.
Nas noites de lua cheia, ela pode ser vista sentada no seu trono cósmico, coroada pela magnificência da Corona Borealis, continuando a girar a sua roda prateada e tecer com seus fios o futuro da humanidade.
Comprova-se assim - por metáforas e intrincados simbolismos celtas - a antiguidade das divindades e cultos lunares, a Lua representando as tradições matrifocais das Deusas, que foram substituídos pelos mitos e cultos solares posteriores
Apuleio, “o Asno Dourado”
Para a nossa mentalidade atual e baseada em valores solares, pode parecer estranha a afirmação do escritor romano Apuleio (século I) sobre o controle oferecido pela Lua na trajetória e intensidade dos raios de Sol.
No entanto, se voltarmos para o início da história da humanidade, podemos constatar a maior relevância simbólica e mitológica da Lua, bem como a antiguidade dos cultos lunares em relação aos valores e cultos solares.
Na Caldeia, os astrólogos ignoravam o Sol e fundamentavam seus sistemas nos movimentos da Lua.
Até hoje, na astrologia védica, o peso da interpretação recai sobre o signo lunar natal, os meses são denominados “Mansões Lunares” e caracterizados pela posição da lua cheia na respectiva mansão.
Os cultos lunares se originaram no Paleolítico e os primeiros calendários conhecidos foram os lunares, baseados no ciclo menstrual da mulher.
O mais antigo calendário astrológico conhecido foi criado pelos babilônios e chamava-se “As casas da Lua”, estabelecido a partir do ciclo da lunação, com seus períodos mensais representados pelos signos zodiacais.
A principal Deusa Lunar da Babilônia era Ishtar, cujo cinturão era enfeitado com representações e símbolos do zodíaco.
Inúmeros artefatos neolíticos talhados em pedra, chifre e osso, encontrados em grutas espalhadas por vários países na Europa e Ásia, têm inscrições agrupadas e séries alternadas de 28 a 30 traços, demonstrando o antigo conhecimento astronômico dos ciclos lunares.
Atualmente, está sendo cada vez mais divulgado e utilizado o calendário lunar do povo maia, com base no ciclo das treze lunações que formam um ciclo solar.
Desde os mais remotos tempos a Lua foi reverenciada como a manifestação da Grande Mãe Universal, o aspecto feminino da Divindade, a fonte criadora e mantenedora da vida, cuja luz e bênção eram invocadas nos rituais de fertilidade, no plantio das sementes e no parto das crianças.
As suas fases passaram a simbolizar o próprio ciclo da geração, nascimento, crescimento, mas também o amadurecimento, decadência e morte.
As suas faces - clara e escura - foram consideradas como aspectos doadores da vida e destruidores da natureza, a Mãe sendo tanto Criadora como Ceifadora.
A Lua foi venerada com inúmeros nomes nas várias tradições e culturas antigas. Apesar desta diversidade, existe uma similitude em relação aos seus atributos de acordo com as suas fases.
A Lua crescente representa a vitalidade da deusa jovem, o frescor da Donzela, o potencial do crescimento, o início das realizações.
Tornando-se cheia, a Lua personifica o ventre grávido da Mãe, o florescimento, a abundância da natureza, a concretização das possibilidades.
Ao minguar, a Lua assume o aspecto de Anciã, assinalando o fim da colheita, o declínio das energias, a sábia preparação para conhecer os mistérios da morte e do renascimento.
Dificilmente se encontra nas várias mitologias uma Deusa que sintetize a inteira gama do simbolismo lunar.
Nos panteões grego e celta existem inúmeras Deusas Lunares com características específicas, relacionadas aos atributos das fases e representando os arquétipos da Donzela, da Mãe e da Anciã.
Os povos celtas contavam o tempo pelas noites e seu calendário era lunar e não solar, como o dos gregos e romanos.
Os seus astrólogos observavam a posição da Lua e sua progressão em relação às estrelas.
Uma deusa lunar celta pouquissimo conhecida e com um complexo simbolismo é a galesa Arianrhod, uma mulher linda e com pele muito alva, descrita como a “Senhora da Roda de Prata” por cuidar da roda estelar, cujo giro simbolizava o passar do tempo e a tecelagem do destino.
Esta roda luminosa era a constelação estelar em forma de coroa chamada Corona Borealis (considerada pelos gregos como sendo a coroa da deusa Ariadne), cujo nome em galês era Caer Arianrhod, ou seja, “O castelo giratório de Arianrhod”.
Era chamada também de “Roda com remos”, por representar o barco que levava os mortos para a Terra da Lua, nomeada Emania ou Magonia.
Vivendo na longínqua terra encantada de Caer Sidi, cercada de sacerdotisas, Arianrhod era um arquétipo da antiga Deusa Mãe celta, regente do céu, das estrelas, da Lua, da fertilidade e do poder feminino, sendo a padroeira dos partos, do mar, da magia e da justiça.
Ela personificava vários outros atributos por ser regente do tempo e do destino, Senhora da beleza, da Lua cheia e da reencarnação.
Era cultuada no País de Gales como uma Deusa Tríplice (ela como Mãe, Blodeuwedd como virgem e Cerridwen como Anciã).
Arianrhod regia Caer Sidi, a “Torre do outro mundo”, o reino encantado onde ficava seu palácio Caer Arianrhod, onde os celtas acreditavam que as almas se recolhiam entre as suas encarnações e os poetas aprendiam sua arte.
Depois de recolher os espíritos e levá-los na sua “Roda com remos” para Emania, Arianrhod seguia ao longo da “Roda das encarnações” e os conduzia para a sua próxima parada, iniciando-os no novo ciclo de vida em Caer Sidi.
Nos mitos lunares contava-se que Arianrhod se metamorfoseava numa grande coruja e com seus olhos penetrantes perscrutava a escuridão – da noite, do subconsciente humano e da alma.
Ela se locomovia facilmente na noite e levava nas suas asas conforto, cura e aceitação para os doentes e moribundos.
Arianrhod regia as iniciações, os ritos de passagem femininos (menarca, ciclos menstruais, parto, menopausa, morte, renascimento), a magia, a sabedoria oculta e a renovação, sua luz sendo refletida por inúmeras camadas de tempo, modelagem do destino e experiências.
Seus símbolos eram o caldeirão (representando o poder feminino e atributo de outras deusas também) e a porca branca, indicando assim sua conexão com o mundo subterrâneo e o renascimento.
Arianrhod – semelhante à grega Ártemis – era independente, possuía uma grande força espiritual e por não precisar de nenhuma figura masculina, era considerada a “Deusa branca e virgem”.
O conceito de “virgem” para os povos antigos indicava autossuficiência e independência, sem nenhuma relação com a integridade do hímen. Arianrhod vivia de maneira livre e selvagem, cercada apenas por mulheres e ocasionalmente tendo relações sexuais - nas noites de lua cheia - com os marinheiros que aportavam nas praias do seu longínquo e ermo habitat.
De lá, Arianrhod descia na sua carruagem prateada até mergulhar nas ondas do mar e era reverenciada na noite de 11 de dezembro.
O mito de Arianrhod - registrado na coletânea de textos galeses Mabinogion (escritos entre os séculos XI e XIII) - é muito complexo, com elementos contraditórios e de difícil compreensão, denotando as deturpações feitas pelos monges e historiadores cristãos da interpretação das lendas da tradição oral dos bardos.
As antigas verdades ficaram ocultas entre as linhas e prevaleceram os conceitos misóginos e patriarcais cristãos, que condenavam e perseguiam atitudes e valores especificamente femininos, considerando a liberdade sexual da mulher como um pecado e perigo para a pureza da alma cristã, que devia ser combatido e punido.
Para impedir a continuação da antiga liberdade sexual pagã, os ritos sagrados das Tradições da Deusa foram declarados obscenos, licenciosos e demoníacos, devendo ser abolidos quaisquer referências a eles. Vários mitos de deusas descritos em Mabinogion (como o de Blodeuwedd, Branwen, Rhiannon) passaram pelos mesmos “retoques” e adaptações, que fizeram dos seus mitos histórias inverossímeis e confusas.
O maior objetivo dos historiadores cristãos (na sua maioria monges) era ocultar os valores e verdades das culturas matriarcais e promover as regras, conceitos e imposições da ordem patriarcal.
Existe uma passagem inverossímil no mito de Arianrhod, que descreve de forma metafórica e pitoresca uma mescla de atributos dela como Donzela e Mãe Escura.
Arianrhod era a filha mais poderosa da deusa galesa da terra Don e do deus da luz celeste Beli (que é pouco mencionado), irmã do herói e futuro mago Gwydion e sobrinha do rei mago Math.
Este rei, para preservar sua magia e seu poder de soberano, tinha que repousar permanentemente seus pés no colo de uma virgem, uma medida mágica necessária para a sua sobrevivência e seu fortalecimento antes das batalhas. Gwydion, que era seu amigo e parceiro nas magias, intimou e enviou sua irmã Arianrhod ao rei Math para ser sua acompanhante, apesar da sua condição real e do seu poder pessoal, que foram ignorados.
Assim como suas antecessoras, ela tinha que cumprir o seu dever de footholder e segurar os pés do rei no seu colo enquanto ele descansava.
A condição essencial desse encargo era a virgindade da candidata; ao ser questionada acerca disso, Arianrhod confirmou que era virgem (mas no antigo sentido do termo, que indicava sua liberdade e poder pessoal).
Ao ser testada pelo bastão magico de Math (sobre qual ela tinha que passar, uma clara alusão ao poder fálico do rei), Arianrhod, de repente deu à luz a um menino louro e bem formado – Dylan - que se arrastou para o mar, onde se transformou depois em um deus marinho e nunca mais foi visto.
Enfurecida pela armadilha que a expôs perante a corte real, Arianrhod correu e na fuga deixou cair um pequeno objeto, que, antes que alguém visse o que era, Gwydion o pegou e enrolou em panos.
Posteriormente, ele deu o “objeto” para Arianrhod, que descobriu ser outro menino ainda em estado embrionário e o rejeitou.
Comovido com o infortúnio da criança, Gwydion decidiu cuidar do menino, o adotou e lhe deu a devida educação, ensinando-o a arte da magia.
Outra suposição considera Gwydion o pai dele, como consequência de uma relação incestuosa com a irmã.
Ao ter revelada a sua gravidez e por se sentir ultrajada por ter parido na frente de todos enquanto considerada virgem, Arianrhod desapareceu na noite, mas antes amaldiçoou o filho para que “ele não tivesse jamais um nome, não pudesse usar armas e nem casar com uma mulher da raça existente na Terra, a não ser que ela concedesse tudo isso a ele”.
Na cultura matriarcal celta, era a mãe que dava o nome e abençoava seu filho nestes ritos de passagem.
Quando o menino cresceu, Gwydion usou recursos mágicos e transformou a ambos em sapateiros; eles viajaram para o palácio de Arianrhod que tinha encomendado sapatos (outro detalhe pouco plausível para uma deusa lunar). Observando o menino caçando pássaros com estilingue, Arianrhod o elogiou pela destreza.
Neste momento Gwydion revelou sua identidade e afirmou que Arianrhod tinha acabado de dar um nome ao seu filho, ou seja – Llew Llaw Gyffes “A brilhante e habilidosa mão”.
O nome Llew Llaw Gyffes era o mesmo de um herói celta - Lugh, personificação de um antigo deus solar. Arianrhod ficou furiosa com a trapaça e jurou que o garoto jamais portaria armas ou tivesse uma mulher.
Com o passar do tempo Llew é treinado nas artes marciais e na arte poética dos bardos e se revela um aprendiz competente.
Algum tempo depois, tio e sobrinho - disfarçados como viajantes - procuram abrigo no castelo da irmã e se oferecem para entreter a corte.
No dia seguinte, Gwydion cria uma ilusão mágica de uma invasão inimiga e convence a irmã para intimar todos os homens a se armarem e lutarem.
Ela concordou e quando começou a distribuir armas para seus súditos Gwydion sugeriu que ela desse armas também para o jovem desconhecido, que era forte e corajoso e podia lutar para defender o castelo.
Novamente Arianrhod foi ludibriada e ao descobrir que não havia invasão inimiga nenhuma, já tinha quebrado a sua segunda proibição armando seu próprio filho.
Para remover a última maldição, Gwydion pediu ajuda ao rei Math e juntos e por meios mágicos, criaram uma mulher feita de flores – Blodeuwedd – que foi destinada como esposa para Llew.
Sendo vencida pela terceira vez, Arianrhod acabou concordando com o casamento do seu filho, que assim se libertou da maldição materna.
Arianrhod aparece neste mito como um arquétipo feminino pouco ético, que comete erros, renega e abandona seus filhos e até mesmo amaldiçoa o menos afortunado, sem jamais se desculpar pelo seu comportamento, agindo de acordo com seu verdadeiro ser e seu poder de soberana.
Quando deu à luz, Arianrhod não assume sua maternidade, nem proclama seu direito de fazer escolhas e lidar com as consequências como uma soberana, mas se mostra enfraquecida, envergonhada e humilhada, renega seus filhos e foge para o seu castelo.
Por não querer abrir mão da sua liberdade em benefício dos filhos, sua atitude pouco materna nos parece inadmissível e abominável.
Don, sua mãe, tinha escolhido seus parceiros e pais dos seus três filhos de acordo com a lei antiga, quando a rainha escolhia e demitia seus consortes, sem criar vínculos de casamento.
Arianrhod pode ter seguido o exemplo materno, permitido pela lei matriarcal, que era de acordo com a sua maneira ”virgem” de viver, morando só no seu castelo e fazendo amor com marinheiros nas praias, nas noites de lua cheia (a metáfora da Lua mergulhando no mar).
Uma explicação da atitude do seu irmão ao recomendá-la ao rei como sendo virgem, seria que Gwydion queria declarar a sua paternidade perante todos (o incesto entre herdeiros reais era permitido para garantir a sucessão).
Outra hipótese era que a gravidez e o parto repentino de Arianrhod não eram fatos reais, mas miragens criadas pela magia conjunta do irmão e do tio.
O objetivo era expor Arianrhod como uma mulher pouco confiável na linhagem do trono e fazê-la ir embora, deixando a sucessão para Gwydion.
Por ela ser a primogênita e reconhecidamente poderosa, Arianrhod era uma ameaça para o poder masculino e por isso devia ser ridicularizada e banida, reforçando assim a hierarquia real e divina masculina.
No conceito da cultura matriarcal, a virgindade não era ligada à integridade física, mas ao estado de espírito e ao comportamento, virgem sendo a mulher que era livre e completa em si, sem depender de um homem.
O mito não conta sobre a vida posterior de Arianrhod, nem sobre seus eventuais remorsos e arrependimentos.
Seu irmão e filho desaparecem da história e ela passa a viver só no seu castelo, fiel a si mesma, fazendo suas escolhas e vivendo a verdade da sua própria luz lunar mutante.
Alguns estudiosos interpretam este mito como a representação da mudança do direito materno para o paterno, enquanto outros relegam o mito de Arianrhod à história de uma simples heroína celta, sem atributos divinos.
Olhando sob as retificações e distorções cristãs, podemos perceber e resgatar as antigas verdades das sociedades centradas no culto das Deusas e descartar a sua usurpação e difamação pela nova ordem dos conquistadores patriarcais.
A figura luminosa de Arianrhod resistiu à deturpação milenar e às distorções do seu simbolismo.
Nas noites de lua cheia, ela pode ser vista sentada no seu trono cósmico, coroada pela magnificência da Corona Borealis, continuando a girar a sua roda prateada e tecer com seus fios o futuro da humanidade.
Comprova-se assim - por metáforas e intrincados simbolismos celtas - a antiguidade das divindades e cultos lunares, a Lua representando as tradições matrifocais das Deusas, que foram substituídos pelos mitos e cultos solares posteriores
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