♦ Quando a velha põe o arco, enxuga a chuva.
O livro do Gênesis começa dizendo:
“1.1. No princípio, Deus criou os céus e a terra. – 1.2. A terra estava deserta e vazia, as trevas cobriam o abismo e o Espírito de Deus pairava sobre as águas. – 1.3. Deus disse: ‘Faça-se a luz!’ E a luz se fez.”
O segundo relato, conta da criação do homem e da mulher. E o Criador os fez de modo que pudessem apreciar e lidar com a matéria, cuidando de lhes dar as ferramentas dos cinco sentidos, sendo mais rico o da visão. Daí em diante, cada qual, por força da singularidade, passou a ver a natureza com a sua luz, melhor dizendo, a seu modo. Então, ao reconhecer as coisas, trataram de nomeá-las e foram acumulando conhecimento. Da mesma maneira, prosseguiram os seus descendentes.
O criador e as criaturas.
Com o mundo iluminado, a natureza foi se revelando para Adão e Eva, toda colorida. Mas, ao chegar a noite, as cores desapareciam e era preciso uma explicação para isto. Seria obra de algum fantasma? Era sim e, por isso, quando foi desvendada, deram-lhe o nome de espectro solar. As primeiras respostas cairam do céu, pois estavam no arco-da-velha. Esse é um dos nomes do arco-íris, que é também é chamado de arco celeste, ou “rainbow” (em inglês), “arcobaleno” (em italiano), “arc-en-ciel” (em francês), etc. Uma versão popular, muito admirada pelas crianças, associa o arco-da-velha à curvatura da corcunda de uma mulher idosa e decrépita. Outra, atribuindo uma origem divina à palavra, é revelada no antigo dicionário(1) do padre Bluteau:
“Arco celeste ou, como diz o vulgo, Arco da velha. Diz Fr. Hector Pinto, que os Portuguezes lhes deraõ este nome porque, na Ley velha, disse Deos que nas nuvens poria este Arco por final de paz entre si & os homens. Os cultos lhe chamaõ Iris.”
Íris, personificação do arco celeste e mensageira dos deuses. (Por P. N. Guérin, detalhe)
Em uma tradução moderna da Bíblia, está escrito desta maneira:
Gênesis, 9.16. Quando o arco-íris estiver nas nuvens, eu o contemplarei como recordação da aliança eterna entre Deus e todas as espécies de seres vivos sobre a terra”.
Desde priscas eras, o homem quebrou a cabeça para entender o fenômeno da luz e da visão. Platão, o filósofo grego, também deu uma explicação mística, atribuindo essas maravilhas aos deuses. Disse que havia um fogo nos olhos e outro nos objetos e, quando os dois se juntavam, surgia a visão do mundo. O seu personagem Timeu fala assim:
“… (Os deuses) fabricaram em primeiro lugar os olhos, portadores da luz, tendo-os ali fixado pela seguinte razão: essa espécie de fogo que não arde, antes oferece uma luz suave; os deuses engendraram-no de modo a que, a cada dia, se gerasse um corpo aparentado […] Quando o fogo se afasta, ao cair da noite, separa-se do fogo de que é sua imagem afim (o fogo dos objetos) […] Então, cessa a visão e gera-se o convite ao sono.” (Vide quadro no final do Post)
Fantasias à parte, a ciência moderna desvendou as bases físicas, biológicas e psicológicas da percepção. Demonstrou que a certeza do que se vê é individual, variada e mutável, porque depende do cérebro de cada um. Esse processo particular, mutatis mutandis, conecta não só os humanos, mas todos os seres vivos ao mundo exterior. Foi também provado que a natureza é incolor, portanto, o que existe são apenas sensações. Então, admirar o arco da aliança enfeitando a paisagem é pura emoção multicolorida!
Descartes e seu desenho, explicando como uma gota d’água decompõe a luz, para formar o arco-íris.
A velha do arco levou um susto quando, no século XVII, um cientista brilhante começou a desvendar os seus mistérios. Foi o filósofo, matemático e físico René Descartes(2), que desenvolveu uma teoria convincente sobre o arco-íris. Em 1637, no texto “Les Météores”, mostrou como ocorria o fenômeno, explicando que gotículas de água, em suspensão na atmosfera, provocavam desvios nos raios luminosos e produziam o efeito das luzes coloridas. Para comprovar sua teoria, imitou a natureza, repetindo a decomposição da luz usando um prisma de cristal.
Descartes: à esquerda a separação da luz do sol na gota d’água e, à direita, no prisma de cristal.
A explicação mais elaborada sobre a origem das cores foi dada, mais tarde, por Isaac Newton(3). Pode-se dizer que desnudou a velha ou, melhor dizendo, fez uma descoberta do arco-da-velha porque, também utilizando um prisma de cristal, fez a decomposição da luz branca. Depois, interpondo outro prisma em posição invertida, sob o foco de luzes coloridas, recompôs a luz branca. Desta maneira, confirmou a descoberta e tirou uma série de conclusões.
O cientista inglês só cometeu uma imprudência, ao dizer que, no seu prisma, como no arco-íris, havia sete cores. Nada disso, no arco-íris há seis cores e através do prisma surgem cinco. Os adeptos da numerologia sempre tiveram admiração pelo sete, um número carregado de fantasias e parece que Newton embarcou numa delas. Até hoje, há quem se abale com os sete dias da criação, os sete paraísos, as sete pragas, os sete pecados capitais, os sete anões e os sete gatos de sete fôlegos(4).
Newton e Goethe, um pé no céu outro na terra.
No século XIX, um gênio, que também era poeta, implicou com a teoria de Newton, seu nome: Johann Wolfgang von Goethe(5). Durante trinta anos ele investigou e elaborou o que considerava sua obra máxima, o tratado “Teoria das Cores”, publicado em 1810. No seu trabalho, refutou a afirmativa de Newton, negando existir tanta variedade de cor num simples raio de luz branca. Ainda discordou de Newton em vários pontos, mas equivocou-se na sua interpretação da decomposição das cores no prisma. Sua teimosia levou-o para outros caminhos e acabou por criar os fundamentos da percepção cromática. Para entender as ideias conflitantes, é preciso considerar que Newton enfatizou o fenômeno físico − a cor energia − e Goethe foi mais adiante, investigou a física, mas também a química e a fisiologia da cor. Queria saber o porquê das sensações produzidas pela cor e, movido por sua alma de poeta, realizou a proeza de misturar a ciência com a vida. Foi dessa maneira que ambos, Newton e Goethe, abriram as portas para as inúmeras descobertas que se sucederam, na física, na estética, na comunicação social e na psicologia.
Após a chuva, incontáveis gotículas de água funcionam como prismas, resultando no arco-íris.
Pela soma de cores-energia se produz outra cor-energia, cujo resultado tende para o branco e, por isso, é denominada mistura aditiva. Foi disso que tratou Newton. Por outro lado, na cor-sólida, que é produzida na associação de tintas, pigmentos e tinturas(6), o resultado tende para o preto e, por isso, é chamada mistura subtrativa. Este era assunto para Goethe tratar com desenvoltura, porque tinha conhecimentos de desenho e pintura. A cor-sólida é aquela que está nos materiais que têm a capacidade de absorver e/ou refletir luz e, evidentemente, não são fontes de luz.
Newton: a decomposição da luz no prisma e o círculo cromático de sete cores. (Por Claude Bontet).
As cores que surgem da decomposição da luz são puras e, cada uma tem um nome ou matiz. São o vermelho, o verde e o azul, e são considerados primários, porque todos os demais surgem deles. A soma dos três restabelece o branco. Pela soma de dois matizes primários, surgem os secundários: o amarelo, o azul e o magenta. Quando se faz mistura aditiva de pelo menos duas cores, a resultante é sempre uma cor mais luminosa que a componente mais clara, porque, nesse caso, caminha-se para o branco.
Misturas aditivas: Vermelho + verde = amarelo; verde + azul = ciano; azul + vermelho = magenta.
A teoria de Goethe causou muito impacto, porque era focada nos elementos mais palpáveis, como as cores dos objetos e dos materiais usados para colorir. Através do seu círculo cromático, trouxe praticidade para lidar com as tintas e foi uma grande ajuda para os coloristas. As ideias de Goethe repercutiram entre os educadores, mas muitos não souberam interpretá-las. Como consequência, os equívocos foram repassados de boca em boca e, até hoje, continuam produzindo estragos de toda sorte, porque poucos sabem diferenciar cor-energia de cor-sólida.
Goethe: misturas subtrativas. Amarelo + vermelho = laranja; vermelho + ciano = azul; ciano + amarelo = verde.
As cores-sólidas − tintas, pigmentos e corantes −, funcionam inversamente e são matizes primários: o amarelo, o azul e o magenta. A mistura dos três produz o preto. Pela mistura de dois matizes primários, surgem os secundários: o verde, o azul e o vermelho(7). Quando se faz mistura subtrativa, a resultante é sempre uma cor mais escura que a componente mais clara. Nesse caso, caminha-se para o preto, ou para as trevas, que é a negação da luz.
Exemplos: Faixa superior, mistura aditiva: A + B = C. Faixa inferior, mistura subtrativa: A + B = C.
Exemplo prático de mistura aditiva é a televisão em cores, onde as imagens são formadas pela combinação de minúsculos pontos coloridos, nos matizes vermelho, azul e magenta, que são cores primárias de energia. Receberam essa classificação porque não podem ser decompostas e as demais cores provêm delas. A cor magenta, produzida pelas cores vermelha e azul, é tênuamente perceptível dos dois lados do arco-íris, porque há incontáveis e próximas gotículas de água funcionando como prismas.
Inversamente, os matizes azul, amarelo e magenta são as cores primárias de cor-sólida. Da mesma forma, são primárias porque as demais provêm delas. Teoricamente, os pintores poderiam fazer todas as cores usando apenas as três, mas há limitações próprias dos pigmentos e corantes. Então, quando querem obter melhores resultados, apelam para o uso de uma palheta mais extensa, usando cores que possuam melhores qualidades físicas e químicas.
Pontos luminosos se misturam e formam imagens, que se deslocam até os olhos do observador.
A luz visível é uma fração da energia que está contida no espectro eletromagnético, que foi descoberto no século XIX, por James Clerk Maxwell(8) e levou ao desenvolvimento da televisão, rádio, microondas e mais inúmeras utilidades. A palavra espectro é sinônimo de fantasma, por isso é apropriada para designar o que está “escondido” em toda a faixa de energia.
Espectro eletromagnético e luz visível. Magenta não é cor do espectro, pois é mistura dos dois extremos.
Na região das ondas mais longas estão as ondas de rádio e televisão; na região das ondas mais curtas, estão os raios-x e os raios gama. Entre as duas fica a região da luz visível, cujos extremos são o vermelho − onda mais longa − e o azul − onda mais curta. Na região invisível, junto ao vermelho, fica o infravermelho; e, além do azul, também invisível, fica o ultravioleta (!). Essas denominações das cores são inapropriadas e uma prova disso é o ultravioleta. Por quê introduziram a violeta solitária, apartada do azul, que é a cor extrema? Melhor seria fazer o casamento dos dois, passando a chamar de azul-violeta à radiação de onda mais curta. Há melhores maneiras de identificar as cores. (Vide nota no fim do Post).
Uma maneira prática de usar as tintas está na reprodução de imagens pela imprensa. Os pontos coloridos, que são denominados ciano(azul-ciano), magenta (vermelho-magenta) e amarelo — azul (azul-violeta) e mais o preto − para superar falhas dos pigmentos − produzem todas as cores. Tecnicamente o processo é denominado CMYK, derivado do idioma inglês: Cyan, Magenta, Yellow, BlacK. Este é um sistema subtrativo.
Um exemplo de reprodução de imagens, através de luzes coloridas, está nos monitores de televisão. Três tipos de pontos coloridos fazem todas as cores. São eles o vermelho, o verde e o azul, por isso, o processo é denominado RGB, letras iniciais de Red, Green e Blue. Este é um sistema aditivo.
Esquerda: CMYK, ciano, magenta, amarelo e preto. Direita (dois detalhes): RGB, vermelho, verde e azul.
A radiação eletromagnética, responsável pela luz visível, está na faixa de comprimentos de onda entre 380 nm e 780 nm. Ela é incolor, como também o resto do espectro, porque o universo não tem cor nem luz e tudo é apenas energia. O estímulo das células fotorreceptoras, existentes na retina, produz impulsos nervosos que, através do nervo ótico, são enviados para serem processados no cérebro. É ali que reside a verdade cada um, porque cada indivíduo sente o que pode e como pode. Há até os daltônicos que não têm como ver certas cores, como também há aqueles que enxergam mais e melhor. Uns foram naturalmente bem dotados na sua capacidade visual, outros porque se educaram para isto.
O pintor faz misturas subtrativas. Ao fim de cada jornada de trabalho a paleta fica escura.
Em 1802, houve mais um avanço no conhecimento da cor. Thomas Young(9) afirmou que, nos olhos havia três tipos de células sensíveis à radiação eletromagnética, correspondentes ao trio vermelho, verde e azul. Sua descoberta foi desenvolvida por Hermann Ludwig Ferdinand von Helmholtz(10) e, então, passou a ser conhecida como teoria tricromática de Young-Helmholtz. Essas células, denominadas cones, ficam na região da retina, denominada fóvea. Na periferia da fóvea, existe outro tipo de células, denominadas bastonetes que têm a função de permitir a visão noturna das formas e dos movimentos, mas não identificam as cores. Por isso, à noite, os humanos enxergam o mundo descolorido.
À noite, quando os cones repousam e os bastonetes trabalham, todos os gatos ficam pardos.
Os olhos são semelhantes a câmeras fotográficas. Dizendo simplificadamente: na frente do globo ocular há um orifício, para dar passagem à luz − a pupila −; depois uma lente − o cristalino −; no fundo do globo ocular, a parte que funciona como um filme − a retina −; e, finalmente, a peça que transporta as informações para o cérebro − o nervo ótico. Durante o dia, os cones trabalham, porque são ativados pela energia eletromagnética, responsável pela produção de cor. À noite, os cones tem mínima função, pois há carência de luz. Também não é preciso sair por aí, dando trombadas, então as pessoas abrem suas pupilas, para entrar mais energia eletromagnética e, assim, conseguem perceber formas descoloridas, graças aos bastonetes. Antes isso!
Objeto > ondas de luz > olho (córnea, íris e pupila, cristalino, retina e fóvea, nervo óptico) > impulso nervoso > cérebro.
O inteligente padre Antônio Vieira(11) tinha lido Descartes porque, em 1645, quando fez um sermão, repetiu seus ensinamentos:
“Na íris ou arco celeste, todos os nossos olhos jurarão que estão vendo variedades de cores: e contudo ensina a verdadeira Filosofia que naquele arco não há cores, senão luz e água”.
Depois, em 1651, em outra fala, acrescentou:
“Isto que chamamos céu é uma mentira azul e o que chamamos arco-íris ou arco-celeste, é outra mentira de três cores”.
Finalmente, em 1669, disse mais, considerando o arco-íris como fenômeno físico, e acabou por desmoralizar a velha:
“O rústico, porque é ignorante, vê muita variedade de cores no que ele chama Arco da Velha; mas o filósofo, porque é sábio e conhece que até a luz engana (quando se dobra) vê que ali não há cores, senão enganos corados e ilusões da vista”.
E não é que o padre tinha razão?
Identificando a cor
Sempre houve dificuldade em uniformizar os nomes das cores. Um grande avanço ocorreu quando Albert Munssel(12), em 1905, organizou o conjunto de todas as cores dentro de um sólido. Dessa maneira, foi possível denominar cada tonalidade com precisão, através de três coordenadas, que permitem representar, numericamente, o matiz (o nome da cor), o brilho e a saturação (intensidade ou croma). Esse sistema, baseado na percepção, ainda é muito utilizado, principalmente na indústria. Outro sistema, o CIE, desenvolvido pela “Commission Internationale de l’Éclairage”(13), usa também três coordenadas e é apropriado para classificar misturas aditivas. Para efeito de clareza, no vernáculo português, é recomendável nomear as cores da seguinte maneira: para vermelho (onda mais longa), dizer vermelho-laranja; para ciano, dizer azul-ciano; para azul (onda mais curta), dizer azul-violeta; a designação amarelo mostra-se satisfatória; para magenta, dizer vermelho-magenta.
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Íris, por toda parte
Na mitologia grega, Íris é a personificação do arco-íris e mensageira dos deuses. Também conhecida como deusa dos céus e do mar, e ligação dos deuses com a humanidade. Ela é capaz de percorrer, com a velocidade dos ventos, todo o planeta. Também pode mergulhar nas profundezas do mar e do inferno.
Afora a íris dos céus, existem as íris terrenas, que são muitas. É a denominação da parte do olho que contém um orifício, a pupila. A expansão ou contração da íris, faz a pupila aumentar ou diminuir, assim permitindo a passagem de maior ou menor quantidade de luz. É também um gênero de plantas, que produz flores de cores vivas e matizadas. A palavra iridescência identifica um fenômeno de reflexão, tal como ocorre nas bolhas de sabão, nas asas dos beija-flores, nas marcas de segurança de papel moeda, nos discos compactos, etc. Têm a aparência que o povo chama de “furta-cor”. Será que são artes da velha?
E, mais uma vez, a ciência colocou a deusa em evidência. Descobriram que as íris dos olhos são únicas, tal como as impressões digitais. Cada pessoa possui suas íris uma diferente da outra. A partir disso, foram desenvolvidos aparelhos para a leitura dessas marcas individualizadas. Os resultados são superiores às técnicas anteriormente utilizadas, pois a probabilidade de duas íris serem idênticas é estimada em cerca de 1 em 1078. É um alívio para os que ficam pálidos de vergonha, quando o porteiro lhes pede o RG e não encontram o documento nos bolsos. Daqui para a frente, a identificação vai “estar na cara”, como diz o vulgo.
Platão:
Trechos do diálogo de Timeu e Crítias
Fala de Timeu sobre rostos e órgãos dos sentidos:
“Considerando que a parte da frente é mais nobre e própria para governar que a parte de trás, os deuses nos deram a capacidade de caminhar para diante. Então, era preciso que a parte anterior do corpo humano tivesse características distintivas e dissemelhantes da parte posterior. Foi por isso que, em primeiro lugar, os deuses dispuseram o rosto naquela parte exterior da cabeça e, sobre ele, repartiram os instrumentos que atendem a todas as necessidades da alma.
[…] Entre os instrumentos, produziram primeiramente os olhos, portadores da luz, tendo-os ali fixado pela seguinte razão: essa espécie de fogo que não arde, oferece uma luz suave; os deuses fizeram-no de tal modo que, a cada dia, se gerasse um corpo aparentado. O fogo puro que há dentro de nós, irmão do outro (o fogo dos objetos), fizeram que ele fluísse suavemente pelos nossos olhos e de modo contínuo; e foi por isso que comprimiram ao máximo o centro dos olhos (a pupila), de tal forma que bloqueasse a outra espécie mais grosseira, […] e deixasse filtrar somente a a espécie pura. Dessa maneira, assim que a luz envolve o fluxo visual, os semelhantes se fundem, formando um só corpo […]
Onde quer que se projete o fogo que jorra do interior dos olhos, encontra-se e choca-se com o que provém do exterior. Forma-se, assim, um conjunto homogêneo de impressões, devido às suas semelhanças. E, se esse vier a tocar algum objeto, ou se for tocado, transmite seus movimentos por todo o corpo até a alma e produz a sensação a qual denominamos enxergar.
Quando o fogo exterior se afasta, ao cair da noite, o fogo interior, por cair sobre um elemento diferente dele, altera-se e extingue-se, pois a sua natureza não é a mesma do ar que o rodeia, já que não tem esse fogo. Então cessa a visão e vem o convite ao sono. de fato, quando fecha a proteção que os deuses engendraram para a visão − as pálpebras − essa proteção preserva o poder do fogo interno. Ele dispersa-se e os movimentos interiores se acalmam. Na calmaria, gera-se o sossego e uma vez gerado um sossego profundo, abate-se um sono com poucos sonhos; mas, quando restabelece algum tumulto, dependendo da sua natureza e dos lugares onde ficam, produzem no interior simulacros que se assemelham a objetos exteriores e interiores, […] e que são recordados ao acordar.”
Fala de Timeu sobre as cores:
“Resta-nos […] um quarto gênero de sensação […] que nós chamamos de cores. É uma chama que emana de todos os corpos […] de modo a produzir a sensação. […] Serão designados da seguinte maneira: o branco é o que dilata o raio visual e o preto é o que faz o contrário. Quando se trata de um movimento mais pungente, de uma […] ou outra espécie de fogo, que choca com o raio de visão e o dissocia até os olhos, irrompendo com violência pelas entradas dos olhos, dissolvendo-as, fazem correr delas essa torrente de águamisturada com fogo, a que chamamos lágrimas.” (14)
A luz de Newton
Retrato: 1706, dois anos após publicar “Optiks”.
Newton foi reverenciado na Inglaterra, no século XVIII, como seu maior cientista. Inúmeras foram suas descobertas, entre elas o teorema binomial, o cálculo, a lei da gravitação e a natureza das cores. Ele acreditava que, acima da ciência, havia a mão de Deus no comando de tudo. Suas palavras:
“Devemos acreditar que há um só Deus ou Monarca Supremo a quem devemos temer, guardar as suas leis e dar-lhe honra e glória. […]Devemos acreditar que Ele é o Deus dos judeus, que criou os Céus e a Terra e tudo o que neles existe, como o expressam os Dez Mandamentos, de modo a que possamos agradecer-lhe pela nossa existência e por todas as bênçãos desta vida, e evitar o uso do Seu nome em vão ou adorar imagens ou outros deuses”. Esta era a sua luz.
A Biblioteca Nacional de Israel possui uma série de manuscritos do cientista, nos quais ele interpreta a Bíblia, fazendo inclusive uma previsão do final dos tempos, pela leitura dos textos do Livro de Daniel. Chegou à conclusão de que o mundo deve acabar por volta do ano de 2060.“Ele pode acabar além desta data, mas não há razão para acabar antes”, escreveu.
A luz de Goethe
Retrato: 1787, Goethe na Campanha, Itália, por J. H. W. Tischbein (detalhe).
Nos anos de 1786 e 1788, Goethe fez sua primeira viagem à Itália e conheceu o país, de ponta a ponta. Durante aquele período, encantou-se com a natureza e as luzes da cultura greco-latina. Além de ser um erudito, possuía o dom de saber desenhar. Portanto, estava bem preparado para apreciar os pintores renascentistas, inovadores na representação em perspectiva e peritos no domínio da luz e da sombra. Estas vivências, certamente, contribuíram para que pudesse desenvolver a “Teoria das Cores”. Logo depois que conheceu as pinturas de Paolo Veronese(15), escreveu:
“Meu velho dom de ver o mundo, com os olhos do pintor cujos quadros acabei de contemplar, conduziu-me a um pensamento singular. É evidente que os olhos se formam em consonância com os objetos, que divisaram desde a infância, e, sendo assim, o pintor veneziano há de ver tudo com maior clareza e limpidez do que outros homens. Nós, que vivemos numa terra ora imunda, ora poeirenta, incolor, a obscurecer qualquer reflexo, muitos até, talvez, em cômodos apertados, não podemos, por nós próprios, desenvolver uma visão assim jubilosa.”
Desde que descobriu a Itália, transformou-se num adorador do sol e assim foi até o seu último dia de vida. No dia 22 de março de 1832, Goethe estava sentado em uma poltrona, ao lado da cama. Devido a um resfriado, sua saúde havia declinado nos últimos dias. Era o momento do alvorecer e o quarto ainda estava escuro. Goethe respirava ofegante e fez um sinal com a mão, chamando o criado. O serviçal aproximou-se e ouviu suas últimas palavras suplicantes: “Abram a janela do quarto, para que entre mais luz”.
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