Recentemente Kali saiu de sua casa nos poços de cremação para as cidades. Hoje ela é adorada por mais fiéis e é mais "respeitável" na sociedade. O Ocidente também a adotou. No processo a imagem de Kali também mudou. Alguns tentam negar seu frenesi. Alguns não estão tão dispostos a aceitar Kali como uma força destrutiva assustadora e perigosa. Eles passaram uma mão de tinta hippie sobre ela tentando fazer Kali algo mais benevolente. Mas eu acho que a sua popularidade brota justamente do seu aspecto muito assustador. Nosso mundo está um caos. Não só estamos vivendo na era de Kali (Kali Yuga), recentemente, a tecnologia nos tem jogado em um frenesi de atividade e progresso. Nós temos a bomba atômica. Temos armas nucleares. Nós temos AIDS. O mundo é um lugar muito assustador. Pode até não ser pior do que costumava ser, é apenas uma escala maior de terror agora. Sempre tivemos desnutrição mas hoje podemos ver as pessoas do outro lado do mundo morrendo de fome. Temos destruição em uma escala maior do que nunca. Kali personifica todos os nossos medos. Ela é a deusa do caos. Ela é a força incontrolável que ameaça destruir o mundo em sua dança frenética. Nós adoramos ela para tentar acalmá-la. Nos deitamos como Shiva. Queremos acalmá-la, para que ela não acabe com todos nós.
Lilith foi adotada pelo movimento feminista como a mulher poderosa por definição, a primeira feminista pois afinal foi a primeira a rejeitar o que lhe foi imposto. Seu nome é usado hoje em uma revista feminista de Israel. Existe hoje a “Lilith Fair” uma feira feminista criada pela ativista Sara MacLaughlin. Sua presença não é mais usada para assustar as crianças e deixar as mães preocupadas. Conforme o avanço da medicina não precisamos mais de bodes expiatórios para justificar nossos medos e raivas como costumávamos fazer. Lilith é hoje vista também como uma figura ecológica de consciência da mãe natureza, e sendo associada com a serpente está mudando a imagem da mesma aos poucos também. A serpente de Lilith pode ter oferecido o fruto para Eva para ajudá-la. Torna-la consciênte de si mesmo, conhecedora do bem e do mal e capaz de pensar por si própria. Assim, Lilith até é usada hoje para reinventar o papel de Eva. Ambas são cada vez mais vistas de maneira positiva, seguindo as conquistas e crescimento do movimento feminista. Com a ascensão do poder feminino, instala-se o reino de Lilith. Ela pode ainda ser uma figura assustadora, mas não é mais vista como uma ameça a sociedade. Nós ignoramos a parte terrível e lembramos apenas que ela teve coragem de abandonar Adão, e tomar controle do seu próprio destino.
Nós queremos deusas em nossa época com quem possamos nos relacionar. Buscamos modelos hoje que mostrem que as mulheres podem ter poder e parearem com os homens. Mas estes modelos não são comuns de se achar na antiguidade e assim precisam ser buscados com cuidado. Geralmente achamos estes modelos poderosos demais e tentamos diluí-los. Tentamos esquecer as partes que nos incomodam ou inventar algo para justificá-las. É justamente o limite dos nossos medos que as tornam tão desejáveis. Talvez em nossos tempos modernos, quando o caos reina, as deidades tenham mesmo que ser tão assustadoras quando nossa época.
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